sexta-feira, 13 de março de 2015

O exorcismo de Anneliese Michel

Anneliese Michel foi uma jovem alemã que afirmava ter sido possuída pelo que é chamado "Legião" ─ nome pelo qual se identificou o demônio que possuía um (segundo Marcos e Lucas) ou dois (segundo Mateus) homens e que passou a habitar uma manada de porcos após o encontro com Jesus Cristo na região ao Leste do Mar da Galileia. ─ e foi sujeita à diversas sessões de exorcismo pelos padres Ernest Alt e Arnold Renz em 1975 e 1976.

Anneliese nasceu em Leiblfing, no estado federal de Baviera na Alemanha, mas foi criada com suas três irmãs no pequeno município de Klingenberg am Main. Seus pais, Anna e Josef Michel, eram extremamente religiosos, e lhe deram uma educação radicalmente católica. Josef mantinha a família trabalhando em uma serralheria. Aos dezesseis anos, Anneliese sofreu uma grave convulsão e foi diagnosticada com Epilepsia, e, algum tempo depois, passou à delirar enquanto rezava. E foi assim que tudo começou.

Em 1973, entrou em depressão, e passou à considerar suicídio. Nesse período, Anneliese afirmava estar ouvindo vozes que diziam que ela estava "condenada" e que iria "apodrecer no inferno". Seu comportamento tornou-se, cada vez mais, fora do comum. Andava pela casa, fazia suas necessidades em qualquer lugar, rasgava as próprias roupas, comia insetos, carvão e, algumas vezes, chegou a lamber a própria urina.

O Tratamento:

Após dar entrada em um hospital psiquiátrico, a saúde de Anneliese não melhorou, e sua depressão começou a se aprofundar. Ela estava cada vez mais incomodada com a intervenção médica, pois eram intensas as terapias e os remédios, e não estavam ajudando.

O tratamento não foi bem sucedido, e seu estado, incluindo sua depressão, agravaram-se com o passar do tempo. Por passar a vida em torno da fé católica, Anneliese Michel passou a atribuir sua condição à possessão demoníaca. Tornou-se totalmente intolerante à lugares e objetos sagrados, e atribuiu essa atitude à sua possessão. Ao longo do curso de ritos religiosos ela sofreu muito. Foi prescrito para ela medicamentos antipsicóticos, que ela pode ou não ter parado de tomar.

Em junho de 1970, Anneliese sofreu uma terceira convulsão no hospital psiquiátrico, nesse momento foi prescrito pela primeira vez anticonvulsivantes. O nome da droga não foi divulgado e também não trouxe alívio de imediato aos sintomas de Anneliese. Ela continuava falado sobre o que ela chamou de "Faces do diabo", visto por ela durante vários momentos do dia. Michel estava convencida de que a medicina convencional não era de nenhuma ajuda.

Acreditando mais e mais que sua doença era um tipo de distúrbio espiritual, ela recorreu à igreja para que a exorcizassem. E no mesmo mês, prescreveram à ela uma outra droga, o Aolept (Pericyazine) ─ uma espécie de fenotiazina com propriedades gerais semelhantes às da clorpromazina: pericyazine é usado no tratamento de psicoses diversas, incluindo esquizofrenia e distúrbios de comportamento. Em 1973, Anneliese iniciou o tratamento com Tegretol (Carbamazepina), que é uma droga antiepilética. Ela tomou o medicamento regularmente até pouco antes de sua morte.

Exorcismo e morte:

Anneliese fez uma peregrinação à San Damiano com um grande amigo da família, Thea Hein, que frequentemente organizava peregrinações para "lugares santos" não reconhecidos pela igreja católica. Como Anneliese era incapaz de passar por um crucifixo e não suportava beber a água de uma nascente sagrada, seu acompanhante concluiu que ela estava sofrendo uma possessão demoníaca.

Tanto Anneliese quanto sua família se convenceram de que ela estava realmente possuída e consultaram diversos sacerdotes pedindo um exorcismo. Os sacerdotes recusaram e recomendaram que continuassem com o tratamento médico, também informaram à família de que para a realização de um exorcismo é necessária a autorização de um bispo. No acaso, numa cidade próxima, encontraram com o vigário Ernest Alt, que depois de ver Anneliese, declarou que "ela não parecia uma epilética" e que ele não a via tendo convulsões. Ele acreditava firmemente que a moça estava em estado de possessão e pediu ao bispo permissão para um exorcismo. Em setembro de 1975, o bispo Josef Stangl concedeu permissão ao Padre Renz para realizar um exorcismo de acordo com o "Rituale Romanum" de 1614. A primeira sessão foi realizada por Renz em 24 de setembro.

Uma vez confirmada sua possessão, Anneliese, seus pais e os exorcistas pararam de procurar tratamentos médicos e confiaram o destino da moça ao ritual romano. Sessenta e sete sessões de exorcismo, sendo uma ou duas por semana, com duração de até quatro horas cada uma delas, foram realizadas por cerca de dez meses entre 1975 e 1976. Em algum momento, Anneliese passou, cada vez mais, a falar da morte para expiar a juventude da época e os padres apóstatas da igreja progressista e se recusou a comer. A pedidos da própria Anneliese, os médicos não foram mais consultados.

Em 1 de julho de 1976, Anneliese Michel faleceu durante o sono. O relatório da autópsia indicou que a causa da morte foi desidratação e desnutrição de quase um ano de semi-inanição, enquanto os rituais de exorcismo eram realizados.

Um sonho curioso:

No período em que ocorreram os exorcismos, e que continuava tomando a medicação, Anneliese contou sobre um sonho, onde teria se encontrado com a Virgem Maria e que ela lhe propôs duas opções: ou ser liberta de imediato da possessão demoníaca, ou continuar seu martírio para que todos soubessem que o mundo espiritual e a ação dos demônios realmente existe. Anneliese relatou ter escolhido a segunda opção.

Segundo artigo do ensaísta Edson do Carmo, no Universo Católico:
"Anneliesse optou pelo martírio voluntário, alegando que seu exemplo enquanto possessa serviria de aviso a toda a humanidade de que o demônio existe e que nos ronda a todos, e que trabalhar pela própria salvação deve ser uma meta sempre presente. Ela afirmava que muitas pessoas diziam que Deus está morto, que haviam perdido a fé, então ela, com seu exemplo, lhes mostraria que o demônio age, e independe da fé das pessoas para isso."
O Julgamento: 

Após a morte de Anneliese, os padres Ernest Alt e Arnold Renz comunicaram o óbito às autoridades locais que, imediatamente, abriram o inquérito e procederam com investigações preliminares.

A promotoria pública acusou os padres e os pais de Anneliese de homicídio por negligência médica. O bispo Stangl não foi indiciado pela promotoria devido sua idade avançada e seu estado de saúde debilitado, e faleceu em 1979. Josef Stangl foi quem consagrou bispo o padre Joseph Ratzinger, que no futuro se tornara o Papa Bento XVI.

O processo que passou a ser denominado Caso Klingenberg (em alemão: Fall Klingenberg), entrou em julgamento em 30 de março de 1978 despertando grande interesse do público alemão. No tribunal, os médicos afirmaram de que a jovem não estava possuída, muito embora, o Dr. Richard Roth, a quem foi solicitado auxílio médico pelo padre Ernest Alt, afirmou que não havia medicação contra as ações demoníacas (cfe. fonte original: "there is no injection against the devil").

O psiquiatras que prestaram depoimento, afirmaram que os padres teriam incorrido indevidamente a "indução doutrinária" em razão dos ritos, o que reforçou o estado de psicose de Anneliese, e que, se a jovem tivesse sido encaminhada à um hospital e forçada a comer, seu falecimento teria sido evitado.

A defesa dos pais de Anneliese argumentou que o exorcismo foi um ato lícito e que a Constituição Alemã protege seus cidadãos do exercício irrestrito de suas crenças religiosas. A defesa também recorreu ao conteúdo das fitas gravadas durante as sessões de exorcismo. que foram apresentadas ao tribunal, onde por diversas vezes, as vozes e diálogos dos, até então supostos, demônios eram perfeitamente audíveis e distintas. Em uma das fitas, é possível discernir duas vozes masculinas discutindo entre si qual deles seria o primeiro a deixar o corpo de Anneliese. Ambos os padres estavam convictos de que ela estava verdadeiramente possessa e que seria finalmente liberta pelo exorcismo, pouco antes de sua morte.

Ao fim do processo, os pais de Anneliese e os dois padres foram considerados culpados de negligência médica e foi determinada uma sentença de seis meses com liberdade condicional sob fiança.

As Gravações:

O áudio à seguir contém fragmentos recuperados das fitas cassete gravadas durante as sessões de exorcismo em Anneliese Michel. Convêm avisar de que as gravações são perturbadoras, caso seja uma pessoa sensível, não ouça.



A exumação:

Antes do início dos processos, Anna e Josef Michel solicitaram às autoridades locais uma permissão para exumar os restos mortais da filha, em virtude de uma mensagem recebida de uma freira carmelita do distrito de Allgäu. A freira declarou que uma jovem teve uma visão, onde o corpo de Anneliese estaria intacto ou incorrupto e que esta seria a prova de que o que ocorreu foi de carácter sobrenatural. Porém, o motivo declarado pelos pais de Anneliese às autoridades, foi de que sua filha teria sido enterrada as pressas em um sarcófago precário.

Entretanto, os relatórios oficiais divulgaram que o corpo estava em estado de decomposição avançada, mas as fotos da exumação jamais foram divulgadas. Algumas pessoas, afirmaram ter testemunhado os exumadores movendo o corpo de Anneliese do antigo sarcófago para o novo, feito de carvalho, segurando-o pelas mãos e pernas, o que seria um indício de que o corpo não estaria tão decomposto. Os pais e os padres exorcistas foram desencorajados a ver os restos mortais da jovem. O padre Arnold Renz, mais tarde, afirmou que teria sido inclusive advertido a não entrar no mortuário.

O Caso Klingenberg, como passou a ser conhecido pelo grande público, deu origem a vários estudos e pesquisas, tanto de natureza teológica quanto científica, e serviu como inspiração para os filmes O Exorcismo de Emily Rose, dirigido pelo cineasta estadunidense Scott Derrickson, e Requiem, dirigido pelo polêmico cineasta alemão Hans-Christian Schmid.

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